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Por que fui morar no Mato? Diário de Santa Maria

16/06/2007

A propriedade em Maquiné onde Cris desenvolveu conceitos de permacultura
Foto: Arquivo Pessoal/Diário

Uma outra vida é possível

Cris Cavasotto fala sobre a experiência de viver dois anos sozinha na Mata Atlântica gaúcha

1 - Você deve estar lendo este jornal sentado, em casa, rodeado por facilidades da vida moderna. E, depois de uma semana de ralação, começa a curtir o fim de semana de descanso. Por um instante, imagine que você abriu mão de tudo. E, para cair fora desse sistema, decidiu ir morar sozinho, em uma propriedade rural. Difícil? A história de Cris Cavasotto, 39 anos, mostra que nem tanto. Durante dois anos, ela viveu sozinha em um sítio em Maquiné, no meio da Mata Atlântica.

Neste sábado, a gaúcha formada em Educação Física comandará a palestra Por que fui morar no mato, às 14h30min, no Centro de Yoga Clássico (Dr. Bozano, 777/201). Para participar, é só levar um quilo de alimento não-perecível. Informações no (55) 3221-1297.

2 - Nos anos 90, Cris tinha um cargo de chefia na da Associação Cristã de Moços (ACM) de Porto Alegre. Muitos dos alunos eram pessoas importantes, que tinham em comum responsabilidades em grandes cargos.

- Apesar de serem reconhecidos, muitos diziam que não eram felizes. Comecei a questionar de onde vinha tanta frustração. Cheguei à conclusão de que é do sistema em que vivemos, que nos diz que só seremos felizes se formos assim ou assado. Aí, comecei a pensar sobre as doenças psicossomáticas. Elas têm origem em desequilíbrios emocionais - diz Cris.

3 - Em 1996, ela fez uma viagem pela Bahia que marcaria de vez sua vida. Ela alugou um Buggy decidida a conhecer um aldeia de índios pataxós. Queria entender como as pessoas conseguiam viver naqueles confins, sem nenhum dos confortos da cidade. Lá, encontrou uma gaúcha que havia montado uma pousada e que lhe mostrou como era feliz vivendo ali, isolada.

4 - As experiências da viagem foram tão provocativas que, meses depois, Cris faria a mesma viagem com uma amiga. Lá, elas encararam uma caminhada que as obrigou a parar para dormir. O local foi a casa de um pescador, que vivia com a família e contava com a ajuda de um andarilho.

- A gente conversava para entender como é que aquelas pessoas eram felizes. O andarilho era um hippie e tinha valores que me tocaram. Ele dizia que a casa dele era a mochila. Ele tocava a vida trocando serviços por pouso e comida - conta Cris.

No dia seguinte, turistas chegaram à casa do pescador, que os ajudou a atravessar o rio de canoa. Estarrecida com o jeito com que exploraram a boa vontade dele, Cris perguntou por que não havia cobrado:

- Ele me deu um "tapa na cara" respondendo: "Sou feliz assim e, enquanto as pessoas estiverem aqui, quero o mesmo".



Foto: Arquivo Pessoal/Diário

5 - Cris e a amiga seguiram a viagem a pé. Para surpresa, o hippie resolveu ir junto.

- Ele dizia coisas como "A vida é feita para desfrutar. Enquanto o homem quiser manipular a vida, vai estar destruindo as coisas". Com tudo isso fermentando na cabeça, voltei para Porto Alegre. Comecei a questionar: Por que nos impomos metas e sentidos que não nos fazem felizes?

6 - Depois dessa experiência, Cris resolveu se testar. Ela queria saber se era possível viver de uma forma diferente, em outro sistema. E como uma pessoa de apartamento viveria sozinha no mato. Em 1999, ela pediu demissão e mergulhou na permacultura, que consiste em práticas agrícolas dentro de um conceito de desenvolvimento integrado da propriedade rural. A idéia básica é que exista uma integração harmoniosa entre o homem e a natureza de forma sustentável. Cris fez as primeiras experiências criando animais domésticos e culturas vegetais no apartamento. Nesse tempo, também viajou pelo Brasil para conhecer ecovilas e comunidades.



Foto: Arquivo Pessoal/Diário

7 - Em 2000, Cris passou a procurar propriedades rurais com o objetivo de ir viver no mato. Em setembro de 2002, descobriu que Maquiné era a parte mais verde do Rio Grande do Sul e que não tinha indústrias em um raio de cem quilômetros:

- Achei uma chácara no meio da Mata Atlântica. Aluguei meu apartamento e fui. No primeiro dia, pensei: "Bah, o que estou fazendo aqui (risos). Por onde começo?". Fiquei um tempo me ambientando e me acostumando com os barulhos.

Para chegar à casa, era preciso passar por um rio. Dali uns dias, ela já estava colocando em prática a permacultura. Para isso, passou a se envolver como trabalhos de plantação e criação de animais.

8 - No começo, os amigos a visitavam no fim de semana. Para Cris, os dias iam passando com preocupações como acompanhar as plantações, alimentar os animais, fazer a comida, tocar alguma obra...

- Cheguei a ficar 15 dias sem falar nada nem ouvir ninguém - conta.

Boa parte da produção era vendida, o que gerava renda para ela. Também havia o costume de os vizinhos trocarem coisas.

- Você tem uma idéia de quanto eu gastava para viver lá? Com R$ 100, era possível passar um mês - conta.



Foto: Arquivo Pessoal/Diário

9 - Cris não tinha TV. Um rádio dividia espaço com um notebook, que não contava com conexão na Internet. Para levantar recursos, Cris começou a trabalhar com webdesign. Criava sites curtindo a paisagem na janela. Semanalmente, ia a um cyber no centro de Maquiné enviar e receber trabalhos. Tocando as atividades rurais e criando sites, Cris viveu dois anos.

10 - Mas como ela está, em Santa Maria, dando uma palestra sobre sua experiência? Depois de dois anos, Cris percebeu que seria inviável viver sozinha, pois a execução dos conceitos de permacultura dependiam de esforços de mais pessoas. Ela também se apaixonou e acabou vindo para Santa Maria, onde hoje trabalha como personal trainer e avaliadora física:

- Foi bem difícil. Minha idéia era me testar, não viver sozinha. Esperava que outras pessoas se agregassem à idéia. E elas apareceram, porém não queriam trabalhar. O que aprendi é que é possível fazer qualquer coisa, desde que tu queiras. E, principalmente, que, para ter a chance de perceber esse sistema, é preciso viver experiências em outros sistemas.



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